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sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Grupo de empresas que atende órgãos públicos é investigado por suspeita de lesar trabalhadores e contratantes



Nas últimas três décadas, um grupo de prestadoras de serviços se habituou a vencer licitações em áreas de limpeza predial, vigilância, portaria, ascensorista, bilheteria, entre outras atividades. Juntas, 19 empresas já receberam, em 10 anos, R$ 1 bilhão em contratos com organismos federais, estaduais e 25 prefeituras gaúchas. Ao mesmo tempo em que sobrevive com dinheiro público, a maioria delas pode estar lesando o fisco e os empregados, e parcela dessa conta fica para o contribuinte pagar.


Dois exemplos mostram como isso acontece. Desde março, a prefeitura de Caxias do Sul tenta reverter no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) decisão que mandou o município pagar R$ 1 milhão a 164 ex-funcionários da empresa FA Recursos Humanos, demitidos em junho de 2018. De acordo com sentença da 5ª Vara do Trabalho, a FA é a devedora principal, mas a prefeitura foi condenada subsidiariamente a assumir a conta, referente a atraso de salários e verbas rescisórias. A FA prestou serviços por três anos ao município, faliu em dezembro e deixou de quitar encargos trabalhistas.


No Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, a Fundação Cultural Piratini questiona ordem da 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre que a condenou, também subsidiariamente, a pagar R$ 4 mil a título de indenização por dano moral, referente a atrasos de salários, a uma ex-auxiliar de serviços gerais que trabalhou na fundação como empregada da Multiágil Limpeza Portaria e Serviços e da Forte Sul Serviços Terceirizados.

Interligadas por laços familiares ou de amizade, com origem nas extintas Alerta Vigilância e Abrasul, que eram controladas por Luiz Paulo Pereira Prates, 67 anos, 16 empresas desse grupo — incluindo FA, Multiágil e Forte Sul — são alvo de 11 mil processos trabalhistas e cerca de 60 ações de execução fiscal. A relação entre nove delas foi mapeada pela Justiça do Trabalho por meio de vínculos bancários, uso compartilhado de veículos e alternância entre sócios. Essas 16 somam R$ 128,4 milhões em dívidas, apenas em tributos federais (débitos tributários, previdenciários, multas trabalhistas e FGTS), conforme dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Somente FA, Multiágil e Forte Sul receberam R$ 369,2 milhões de organismos públicos (36% do total do grupo), mas devem R$ 55,2 milhões à União. As três, assim como outras sete empresas do grupo, estão proibidas de participar de licitações no país por irregularidades no cumprimento de contratos e/ou com atividades parcialmente interditadas a pedido do Ministério Público (MP).

Apesar disso, novas terceirizadas ligadas ao grupo estão surgindo e vencendo concorrências públicas. A tática é oferecer o menor preço para ganhar as licitações, mesmo com pequeno lucro ou o suficiente para bancar as despesas operacionais.

— Em geral, quando vai completar um ano de contrato, se aproximando o primeiro período de férias dos empregados ou de pagar o 13º salário, as empresas "esquecem" desses compromissos, embora sigam recebendo os valores dos contratos — lamenta Loreni dos Santos Dias, presidente do Sindicato dos Empresados de Empresas de Segurança e Vigilância no Rio Grande do Sul (SindiVigilantes do Sul).

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Luciano Lima Leivas define assim a estratégia das empresas:

— Interpreto como dumping social. É uma concorrência desleal, mediante sonegação de obrigações sociais. Receber, não pagar e ficar devendo. A empresa se posiciona no mercado, onde outros concorrentes, em tese, cumprem todas as obrigações sociais perante Receita Federal, INSS e trabalhadores. Ela se apresenta como inadimplente de todos esses créditos de natureza social. Compete e ganha contratos. Por isso, considero uma concorrência socialmente desleal.

A situação provoca greves e interrupções dos serviços. Empregados da FA que trabalhavam no atendimento de emergência do Samu Estadual cruzaram os braços em agosto do ano passado em razão de atraso de salário. A consequência disso é punição à empresa, seguida do rompimento de contrato. Como resultado, empregados ficam sem trabalho e salários, movendo ações trabalhistas contra os patrões e contratantes — município, Estado ou União.

Mesmo diante de bloqueios, penhoras e indisponibilidades de bens, raramente as empresas pagam tudo o que devem e parcela da conta recai sobre o órgão público. 

— À medida em que contrata uma empresa, o ente público assume subsidiariamente a responsabilidade. Cabe a ele, a cada mês, examinar exigências legais apresentadas pela empresa — avalia o promotor José Francisco Seabra Mendes Júnior, coordenador do Centro de Apoio Operacional Cível de Proteção do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa do MP.

As primeiras irregularidades na prestação de serviços públicos do grupo de terceirizadas ligadas a Luiz Paulo, foram detectadas pela Polícia Federal (PF) em 1999, nas empresas Alerta Vigilância Patrimonial e Abrasul — Assessoria Técnica Sul Brasileira. Em abril daquele ano, a PF deflagrou a Operação Tubarão, ofensiva conjunta com a Receita Federal e o Ministério do Trabalho que identificou falsificações em guias de recolhimento de tributos previdenciários.





Duas décadas sob apuração

A Alerta e a Abrasul nasceram nos anos 1990. Eram controladas por Luiz Paulo Pereira Prates e fecharam em 2008, identificadas como inaptas na Receita Federal por dívidas com o fisco. O empresário foi condenado seis vezes por apropriação indébita previdenciária. Levantamento de 2013 colocou ambas entre as 80 maiores devedoras da Justiça do Trabalho no RS.

Nove meses após a operação da Polícia Federal em abril de 1999, a Job Recursos Humanos foi comprada e registrada em nome de Ronaldo Pinheiro Prates, filho de Luiz Paulo. Depois, veio a Job Segurança Patrimonial, do mesmo dono. Em pelo menos três ações de ex-empregados da Job Segurança, juízes apontam Alerta e Abrasul como um grupo econômico.

Outros dois filhos de Luiz Paulo, Márcio e Bruno, além do genro, Diego Alessandro Garcez Soares, figuraram como sócios da Multiágil e da Forte Sul. Em processo contra a Multiágil, a juíza Valdete Souto Severo, da 4ª Vara do Trabalho da Capital, considerou formação de outro grupo econômico entre Multiágil, Forte Sul e mais sete empresas, envolvendo 11 sócios.

Em outros dois processos trabalhistas contra Alerta, Abrasul e Job RH, sentenças reproduzem trecho de inquérito civil do Ministério Público do Trabalho de 2002, descrevendo como seriam as articulações de Luiz Paulo: "Constitui empresas, acumula dívidas trabalhistas e, quando as execuções se avolumam, cria ou adquire novas empresas, transferindo para elas bens e funcionários, lesando os credores, trabalhadores que, durante o período no qual vigorou o contrato de emprego, tiveram direitos trabalhistas sonegados".

Em 2015, Ronaldo, Diego e sete dirigentes de 17 empresas foram presos temporariamente por crimes contra ordem tributária, fraude em licitações, abuso do poder econômico e corrupção ativa — envolvendo, também três servidores públicos estaduais. A Justiça acolheu a denúncia.






"Irmãs" Job de portas fechadas


Constituídas para dar seguimento às atividades da Alerta e da Abrasul prestadoras de serviço de limpeza e vigilância fechadas por fraude ao fisco nos anos 2000, as "irmãs" Job Recursos Humanos e Job Segurança e Vigilância devem ser as próximas a sumir do mercado por causas de dívidas, punições, penhoras e indisponibilidade de bens. Elas já foram alvo de 3,7 mil ações trabalhistas, metade em andamento.

Os escritórios das duas Job na Capital estão de portas fechadas e placas de aluga-se foram penduradas nos muros, no cruzamento da Rua Santos Dumont com a Avenida Brasil, na zona norte. A placa de identificação de uma das empresas está jogado no pátio. Ao menos 16 carros da frota da empresa seguem estacionados na garagem, parte penhorada por ordem da Justiça do Trabalho.

Dirigidas por Ronaldo Pinheiro Prates, filho do gestor da Alerta e da Abrasul, Luiz Paulo Pereira Prates, as empresas receberam R$ 394,1 milhões nos últimos 10 anos por serviços a Estado, União e prefeituras gaúchas. Desde o ano passado, estão impedidas de celebrar contratos com entes públicos por irregularidades na prestação do serviços ao Tribunal de Justiça do Estado (TJ) — pelo menos dois contratos com a Job RH foram rescindidos.

A contar de 2010, a prefeitura de Porto Alegre pagou R$ 21,2 milhões por serviços prestadas pelas duas empresas, mas, não recebeu os impostos. Desde dezembro de 2005, o município cobra R$ 323,3 mil referentes a dívida de ISSQN da Job RH. Em abril de 2019, a prefeitura entrou com um segundo processo, cobrando R$ 29,6 mil da Job RH, decorrente de multa não paga por descumprir entrega de declarações de ISSQN entre junho de 2012 e maio de 2017.

Débitos fiscais da Job RH com a Fazenda Nacional somam R$ 8,2 milhões. E da Job Segurança e Vigilância, R$ 1,5 milhão. Em razão de dívidas fiscais e trabalhistas, sete imóveis da Job RH e 28 veículos estão indisponíveis, incluindo um Fusion 2014, com 33 restrições judiciais.

O eventual fim das duas Job lembra o método adotado por Alerta e Abrasul, citadas em inquérito civil do Ministério Público do Trabalho (MPT) de 2002. O texto afirma ter havido "inarredável certeza, que, mais do que frente a um grupo econômico, ou a uma sucessão de empregadores, se está ante a um único empreendimento, capitaneado pelo Sr. Luiz Paulo Pereira Prates, o qual conta com o auxílio de familiares, e no qual vêm sendo usadas, ao longo do tempo, razões sociais diversas, como escudo para sonegação, dentre outros, de direitos trabalhistas".

Em 2015, o sócio majoritário das Job, Ronaldo Pinheiro Prates, filho de Luiz Paulo, foi processado por apresentar ao Ministério do Trabalho recibos adulterados de pagamentos a empregados que trabalharam como recepcionistas em evento da Festa da Uva, em 2012. O caso resultou em condenação de um ano de prisão, convertida em prestação de serviço. Desde 2017, Ronaldo também responde a processo na 11ª Vara Criminal do Fórum Central de Porto Alegre. É acusado de fraude em licitações na Operação Purgato, do Ministério Público, que resultou em prisão temporária por cinco dias, em 2015.

Em desdobramento dessa operação, em julho passado, a 5ª Vara da Fazenda Pública, atendendo a pedido da Promotoria de Combate aos Crimes Licitatórios, do MP, determinou a interditação parcial das atividades das duas Job e outras 15 empresas e as proibiu de assinar novos contratos com entes públicos. As empresas tiveram bens bloqueados para garantir ressarcimento de valores cobrados a mais em contratos, estimados pelo MP em R$ 6,6 milhões. Os bens de Ronaldo estão indisponíveis.


As relações entre as empresas






Em consultas a bases de dados em sites de transparência do governo federal e estadual e do Tribunal de Contas do Estado (TCE), foi possível mapear que 19 empresas receberam R$ 1,027 bilhão na última década em contratos com entes públicos, incluindo a prefeitura de Porto Alegre e mais 24 municípios gaúchos. Pesquisas no site de Controladoria-Geral da União, Justiça do Trabalho e Procuradoria da Fazenda Nacional quantificaram punições aplicadas às empresas por irregularidades na execução de contratos, o número de ações trabalhistas contra elas e o montante de débitos em tributos federais, totalizando R$ 128,4 milhões.


Contrapontos

 O que diz Luiz Paulo Pereira Prates, por intermédio do escritório Aury Lopes Jr Advogados
“Todos os processos encerraram-se há mais de 10 anos e absolutamente todas as penas que foram impostas pela Justiça foram cumpridas. Não tenho mais nada a declarar.”

O que diz Ronaldo Pinheiro Prates, por intermédio do escritório Aury Lopes Jr Advogados
“A crise nacional e regional afetou as empresas Job RH e Job Vigilância, na medida em que o Estado e demais órgãos da administração pública não fizeram pagamentos devidos. Nos últimos dois anos, as empresas vêm gradativamente encerrando suas atividades e pagando seus credores. As empresa possuem créditos a receber que são suficientes para rescisões trabalhistas e todos os tributos devidos. Na medida em que o Estado for liberando pagamentos atrasados, todos serão pagos. Quanto ao processo criminal relativo à Operação Purgato, estão sendo atendidas todas as determinações judiciais e nem sequer sentença existe. Será feito esclarecimento de todos os fatos, acreditando-se na absolvição pois as acusações não são verdadeiras. Quanto à condenação de Caxias do Sul, a pena está sendo rigorosamente cumprida.”

O que diz Bruno Pinheiro Prates
A reportagem foi à empresa na Rua Luzitana, mas não o encontrou. Uma funcionária disse que não tinha autorização para informar número de o telefone. Foi enviado e-mail.

O que diz Márcio Pinheiro Prates
A reportagem foi à empresa na Avenida Cristóvão Colombo, mas não o encontrou. Uma funcionária disse que ele não tem ido lá e que não tinha o número do telefone.

O que dizem Diego Alessandro Garcez Soares e João Juarez Pedroso Pinheiro por intermédio dos advogados Fábio D’Avila e Rodrigo Oliveira
“O processo está em fase inicial, aguardando que se concluam as citações e apresentadas defesas. Só após haverá decisão se o processo irá, ou não, prosseguir. Aproveitamos para reafirmar a inocência dos nossos clientes, cuja prova e o correspondente reconhecimento ocorrerá no oportuno espaço dos autos.”

O que diz  Felipe Soares Pinheiro
A reportagem esteve na portaria do prédio da empresa, registrada em um apartamento na Rua Portugal, mas não o encontrou. Foi deixado contato na caixa de correspondência.  Em contato nesta sexta-feira (8), Felipe informou que a Forte Sul tem mais de R$ 1 milhão para receber de órgãos públicos. "Vamos quitar todos os débitos junto aos trabalhadores, cumprir as sanções administrativas e voltar a licitar. Nos últimos três meses, paguei mais de R$ 1,5 milhão em rescisões trabalhistas de funcionários que atuaram no TRE, Corsan e CEEE."

O que diz Fagner Fernandes Pinheiro
A reportagem esteve na empresa na Rua Pedro Canga, que estava fechada, segundo a vizinhança, há seis meses. Foi localizado um restaurante dele, mas ele não estava. Uma funcionária disse que não tinha autorização para fornecer o telefone. A reportagem deixou contato e enviou e-mail.

O que diz William Fernandes Pinheiro
A reportagem esteve no endereço da empresa dele na Rua São Salvador, mas encontrou outra empresa no lugar, que é alugado.

O que diz Marcelo de Oliveira Haselof
A reportagem esteve na empresa dele na Rua Pedro Canga, mas não o encontrou. O local está fechado, segundo a vizinhança, há seis meses.

O que diz Michael Macedo de Vasconcelos
A reportagem esteve na empresa na Rua Marcelo Gama, mas não o encontrou. Um funcionário disse que há dois meses ele não trabalha lá, não soube informar telefone nem e-mail. O funcionário disse não saber o nome do dono da empresa.

O que diz Carlos Roberto Araujo
A reportagem foi ao endereço da empresa, na Rua Marechal José Inácio da Silva, mas não o encontrou. Deixou telefone e e-mail de contato. Uma funcionária informou telefone, mas quem atendeu disse não o conhecer.

O que diz Thiago Rodrigo da Silva
“Fui sócio da Forte Sul em 2015. No período, não fiquei devendo um real para um funcionário sequer. Acredito que não tenha dívidas. Vendi a Multi Limp ano passado, sem dívidas. Fui funcionário da Job. É como padaria. O padeiro aprende a fazer o pão e depois faz o quê?”

O que diz Alexandre Bedum
A reportagem esteve na sede da empresa na Avenida Maranhão e não o encontrou. O local está fechado com placa de aluga-se. Segundo vizinhos, a empresa funcionou ali por uns seis meses e se mudou há cerca de três meses.

O que diz Tiago Escobar
A reportagem esteve na casa dele, a sede da empresa, em um acesso da Rua Manuel Marques, mas não o encontrou. Também ligou para o telefone pessoal dele, mas as ligações não completaram.

O que diz Luciano Burckard
Não foi localizado pela reportagem.

Fonte: GauchaZH

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