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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O reconhecimento do vínculo empregatício do cyber atleta:




Os jogos eletrônicos, como tudo na sociedade, sofreram modificações no decorrer de sua história. O que inicialmente se restringia a uma pequeníssima parcela de jovens e crianças que se divertiam nos arcades[1] (lojas especializadas nos serviços de jogos eletrônicos), hoje, já supera o índice de espectadores de esportes consagrados como o basquete, quando se trata da liga americana[2].

Nos primórdios dos esportes eletrônicos, amigos se reuniam para competir entre eles, sem nenhum tipo de patrocínio, visando apenas o deleite. Entretanto, com a quantidade crescente de jogos e jogadores, as competições foram alcançando novos limites. Com a própria evolução da internet, ligas online foram criadas para uma melhor organização, dando origem aos campeonatos em LAN (Local area network).

Na última década houve o maior progresso de todos quando tratamos do espectro internacional. Com o apoio recebido por grandes empresas, o cyber esporte se desenvolveu de forma abrupta. Prêmios que dificilmente passavam de cem mil reais[3], começaram a quebrar a barreira dos quinze milhões de dólares[4], ultrapassando assim o prêmio da Taça Libertadores da América de futebol[5].

A produção de jogos eletrônicos era anteriormente baseada em um aspecto introspectivo e singular, onde a interação seria completamente irrelevante. A partir do desenvolvimento global e da necessidade de comunicação e interação, a perspectiva e a função social do jogo passa a buscar uma nova função, que seria de interação coletiva entre uma rede de jogadores criada pela internet, passando ao seu processo criativo além de entretenimento, passa a ter um caráter de socializador, cultural.

Todo sistema jurídico se origina e se desenvolve através de princípios, e o sistema jurídico desportivo não poderia ser diferente. No Direito Desportivo Internacional existem nove princípios, dentre eles o princípio da universalidade, que, para Rafael Teixeira Ramos: “[...] traduz o direito ao desporto como sendo de todos e, ao mesmo tempo, de cada um, portanto um direito humano universal de incomensurável valor para o desenvolvimento pessoal e coletivo dos seres humanos.”[6]

O princípio da especificidade, cravado no número 3 dos fundamentos principais do olimpismo, disposto na Carta-Olímpica[7], trata da necessidade de especificação da atividade desportiva em relação a todos os outros ramos jurídicos. A observação da velocidade da relação desportiva é crucial para entender as particularidades do sistema.

Na doutrina de Álvaro Melo Filho:

“O setor desportivo, longe de categorizar-se pela existência de aspectos e circunstâncias permanentes que induzam a longevidade de suas normas, submete-se a um processo de transformações que exigem uma continuada e adequada regulação jurídica, que seja capaz de absorver, com êxito, a dinamicidade e a singularidade dos fatos desportivos, sem ficar refém das peias estatizantes e sem submete-se à voragem do mercado nem ao oportunismo dos atores desportivos”. [8]
Considera-se cyber atleta todo aquele que a partir de equipamentos eletrônicos efetua sua atividade desportiva laboral. Diferente dos outros esportes, o resultado fático do seu labor será sentido no mundo virtual. O exercício da sua atividade pode se dar em lugares diferentes de acordo o nível classificatório de sua equipe.

A rotina do cyber atleta pode se configurar um vínculo empregatício, pois este possui os cinco requisitos exigidos que caracterizam essa relação, sendo estas: a) pessoa natural b) pessoalidade c) não eventualidade d) subordinação e) onerosidade.

A prestação de serviços numa relação de emprego deve ser efetuada por uma pessoa física, uma vez que “os bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelados pelo Direito do Trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.) importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas”.[9] A própria palavra trabalho, já conduz a ideia da necessidade da realização ser feita por uma pessoa natural, visto que serviços podem ser realizados tanto por pessoa física como uma pessoa jurídica.

A pessoalidade traz a ideia da necessidade da existência do intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, em que não seja possível a sua substituição descontinuamente por outrem, ao longo do serviço prestado. Ao analisarmos as próprias características da relação entre Atleta – Organização, confirmamos a existência desta, uma vez que a organização contrata com determinado jogador pela sua experiência, técnica in game, criando uma obrigação pessoal, infungível.

A não-eventualidade estaria relacionada a permanência, não sendo associado a um caráter temporário. Esta pode ser comprovada pelo próprio fato dos atletas morarem no mesmo local que exercem o seu labor, gerando então uma concentração ad eternum para os atletas, inclusive verificada nos horários de descanso e nas folgas semanais, onde não raramente os atletas passam esses horários livres dentro das gaming houses.

Considerando ainda a figura dos atletas que não se encontram nessas formas de centro de treinamento, não se poderá excluir a figura da não eventualidade, uma vez que é dever dos atletas cumprir com uma tabela fixada de horários e dias para treinos e ter um trabalho contínuo. Além disso, a não eventualidade também estaria atrelada a ”fixação do empregado em certa fonte de trabalho, que toma os seus serviços.“[10].

De certo, não se pode falar que o trabalho do cyber atleta é desvinculado de subordinação, em que esta se configura ao “estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição ou de valores”[11]. A subordinação seria o maior problema na caracterização do cyber atleta como empregado, pois por apresentar características próprias, seria impossível abarcar esse vínculo empregatício no modelo clássico, onde o empregado estaria submetido a uma intensidade de obrigações.

Porém, Maurício Godinho ramifica essa subordinação, criando uma subordinação estrutural caracterizada pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização e funcionamento[12], incorporando em si a cultura do seu tomador, modificando sua realidade.

Analisando a figura da subordinação aliada ao cyber atleta temos que a própria figura da gaming house transfere ao atleta a obrigação de seguir certas determinações de seu empregador, inclusive, por ter como atividade fim a própria prestação esportiva, não se tem como afastar a subordinação dos atletas perante a organização que o contrata. Com isso, é possível concluir que de acordo com os argumentos apresentados, deve ser reconhecido o vínculo empregatício dos cyber atletas.

[1] PEREIRA, Silvio Kazuo, O videogame como esporte: Uma comparação entre esportes eletrônicos e esportes tradicionais, Disponível em:. Brasília, Universidade de Brasília, 2014, p.21-22. Acessado em 30 de março de 2016.

[2]“Com 334 milhões de espectadores, audiência do Mundial de LOL superou NBA”. http://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2015/12/10/final-de-mundial-de-league-of-legends-teve-mais-.... Acessado em 30 de março de 2016.

[3] PEREIRA, op. Cit, 25. Acessado em 30 de março de 2016

[4] “Premiação do Mundial de Dota 2 chega a US$ 15 milhões e supera Super Bowl”. Disponível em:. Acessado em 30 de março de 2016.

[5] MATSUURA, Sérgio. “Campeonato de videogame paga mais para equipe vencedora que a Libertadores”. Disponível em:. Acessado em 30 de março de 2016.

[6] BEM, Leonardo Schmitt de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito Desportivo – Tributo a Marcílio Krieger. São Paulo: Quartier Latin, p. 95, 2009.

[7] The Olympic Movement is the concerted, organised, universal and permanente action, carried out under the supremete authority of the IOC, of all individuals and entities who are inspired by the values of Olympism página 14 http://www.olympic.org/Documents/olympic_charter_en.pdf, visitado em 9 de maio de 2016

[8] MELO FILHO, Álvaro. Diretrizes para a Nova Legislação Desportiva. Revista Brasileira de Direito Desportivo. São Paulo: Editora da OAB SP, nº 2, p. 41-48, segundo semestre, 2002.

[9] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. Editora LTR80, 15º edição, São Paulo, 2016, p.300.

[10] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. Editora Forense, 9º edição, Rio de Janeiro, 2015, p. 159.

[11] FERREIRA, Aurélio de Holanda. NOvodo dicionário da Língua Portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, P.1621

[12] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. Editora LTR80, 15º edição, São Paulo, 2016, p.314-315.

Material elaborado por: Letícia Meneses Araújo da Silva; Felipe Oliveira Chaves de Farias; Fábio Santos Titio da Motta.

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