Contatos

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

COVID 19 é considerada doença ocupacional?

 





No dia 29/04/2020 o Supremo Tribunal Federal decidiu, em caráter liminar, suspender a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória 927/2020. O artigo tinha a seguinte redação:


Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

O artigo suspenso determinava que os casos de contaminação pelo Coronavírus (COVID-19) seriam considerados doença ocupacional apenas quando comprovado o nexo causal. Ou seja, durante a vigência do art. 29 da MP, seria necessário comprovar que a contaminação do empregado pela COVID-19 decorreu de uma ação ou omissão do empregador. Nexo causal é o vínculo entre uma conduta e o resultado por ela desencadeado.


A suspensão do artigo 29 da MP 927 se deu em caráter liminar e ainda será reexaminada, ainda sem data definida.


Diversas as notícias circularam na mídia, após a decisão do STF, afirmando que os casos de contaminação pelo COVID-19 serão considerados como doença ocupacional.


Contudo, como a decisão do STF não revogou a legislação previdenciária, a caracterização como acidente do trabalho por eventual contaminação pelo Coronavírus depende da análise da Lei 8.213/91, e Decreto 3.048/99.


Definição de acidente do trabalho, segundo a legislação previdenciária:

Doença ocupacional é um gênero do qual são espécies a doença profissional ou do trabalho, cujo enquadramento decorre da existência de nexo causal.


O artigo 20 da Lei 8.213/91 equipara a acidente do trabalho a doença profissional e doença ocupacional:


a) a doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo órgão ministerial; e

b) a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada na letra a.


Se a doença não constar dessa relação, excepcionalmente a Previdência Social poderá considerar como acidente do trabalho, caso a mesma resulte das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente (§ 2º do art. 21).


Ou seja, para que seja equiparada a acidente do trabalho, a doença profissional deve constar da relação elaborada pelo INSS, ou, caso não conste desta relação, resultar das condições especiais em que o trabalho é executado.


E o inciso III do artigo 21, também equipara acidente do trabalho:


III) - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;


A competência para caracterizar a natureza acidentária de incapacidade é da perícia médica do INSS, quando constatar ocorrência de nexo técnico, nos termos do art. Art. 337 do Decreto 3.048/99.


Por outro lado, o § 1º do artigo 20 do mesmo diploma legal, elenca, de forma taxativa, as hipóteses que não são consideradas como doença do trabalho:


a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica [2] adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.


A COVID 19 é atualmente considera como uma pandemia[3]. Não é uma endemia. Se fosse considerada como uma endemia, estaria automaticamente excluída a possibilidade de ser consideradas como doença do trabalho.


A COVID 19 se enquadrar nas definições de acidente do trabalho?


Por se tratar de doença descoberta recentemente, a COVID 19 não consta na relação de doenças profissionais elaborada pelo INSS.


Mas se a contaminação pela COVID-19 resultar “das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente”, poderá então ser equiparada a um acidente do trabalho. É o que dispõe o § 2º do art. 21 da lei 8.213/91.


Necessário então avaliar se a contaminação pelo COVID-19 foi “adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”.


Seria o caso, por exemplo, de empregado que trabalha em hospital ou laboratório, em contato com ou proximidade com pessoas infectadas. Ou seja, cujo trabalho é executado em condições especiais, e com ele se relacione.


Quando um médico trabalha em contato direto com pacientes infectados, o nexo causal é presumido, de vez que trabalha em condições especiais.


A propósito, ao analisar o caso de enfermeira contaminada pelo H1N1, a 2ª Turma do TST reconheceu a responsabilidade de hospital, em razão do nexo de causalidade entre a doença e a contaminação de uma enfermeira. O TST aplicou, nesse caso, a teoria da responsabilidade objetiva, por se tratar de atividade econômica que representa riscos para o trabalhador.[4] Processo nº TST-RR-100800-30.2011.5.17.0009, Ministro Relator José Roberto Freire Pimenta.


Caracterizar eventual contaminação pelo Coronavírus como sendo doença ocupacional pode gerar consequências na esfera trabalhista e previdenciária, como obrigação de depósito de FGTS por todo período de afastamento, garantia de emprego pelo período de 12 meses, caso o afastamento seja superior a 15 dias, e emissão de CAT, dentre outras.


Medidas de prevenção:


Mesmo se não sendo um “trabalho peculiar”, tampouco “atividade desenvolvida em condições especiais”, como a maioria do comércio, é necessário que a empresa, a partir do reinício de suas atividades, redobre as suas medidas de precaução para evitar a contaminação pelo COVID-19.


Entre as medidas de prevenção destacamos, por exemplo, as seguintes:


a) entregar equipamentos de proteção individual (EPI’s), como máscaras e álcool gel, mediante recibo do empregado;


b) manter a ficha de EPI’s atualizada;


c) elaborar relatório fotográfico detalhado das medidas adotadas na empresa;


d) enviar periodicamente orientações sobre as rotinas de trabalho e segurança;


e) organizar escala de horário de trabalho, de forma a evitar que os empregados utilizem o transporte público em horário de pico;


f) controlar o acesso de consumidores, e evitar aglomeração dentro do estabelecimento comercial;


g) ampliação de limpeza e desinfecção dos locais de trabalho;


h) melhorar a ventilação natural, sempre que possível;


i) registrar todas essas medidas tomadas, para, em eventual discussão administrativa ou judicial futura;


j) cumprir todas as determinações da Prefeitura.


Conclusão:


É necessário ter razoabilidade e analisar os casos de contaminação de forma individualizada.


A recente decisão do STF, em nosso entendimento, não reconhece automaticamente que eventual contaminação pelo COVID 19 seja considerada como doença ocupacional.


Significa dizer que o Coronavírus pode ser enquadrado como doença ocupacional, dependendo da análise das condições e características do local de trabalho, nos exatos termos da legislação previdenciária.


[1] Advogado, assessor jurídico de entidades sindicais, pós graduado em Direito do Trabalho pela PUC MG, membro da Comissão de Direito Sindical da OAB MG.


[2] Endemia: A endemia não está relacionada a uma questão quantitativa. É uma doença que se manifesta com frequência e somente em determinada região, de causa local. A febre amarela, por exemplo, é considerada uma doença endêmica da região norte do Brasil https://www.telessaude.unifesp.br/index.php/dno/redes-sociais/159-qualea-diferenca-entre-surto-epidemia-pandemiaeendemia


[3] Pandemia: A pandemia, em uma escala de gravidade, é o pior dos cenários. Ela acontece quando uma epidemia se estende a níveis mundiais, ou seja, se espalha por diversas regiões do planeta. Em 2009, a gripe A (ou gripe suína) passou de uma epidemia para uma pandemia quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a registrar casos nos seis continentes. E, em 11 de março de 2020, a Covid-19 também passou de epidemia para uma pandemia. https://www.telessaude.unifesp.br/index.php/dno/redes-sociais/159-qualea-diferenca-entre-surto-epidemia-pandemiaeendemia


[4] Processo nº TST-RR-100800-30.2011.5.17.0009, Ministro Relator José Roberto Freire Pimenta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário